Casa Daros: "Ilusões"



"A arte é ilusão? A arte é real? A arte é mais real do que a realidade? O que é a realidade? Ilusão?"

Parece um pouco confuso, mas essas são algumas questões que podem passar pela mente dos visitantes que forem à exposição "Ilusões" (Casa Daros, Botafogo). A mostra conta com diversas obras, entre instalações, fotografias, vídeos etc de 11 artistas ao redor do mundo. São trabalhos que deixam o visitante imerso e que permitem um alto grau de interação e ilusão. Mas o que delas mais pode-se extrair são as reflexões, vestígios de uma arte conceitual que exige do observador a participação mais ativa na construção ou desconstrução da ideia por trás de uma obra. 

Entre os artistas da exposição estão:

Luis Camnitzer
(Alemanha - EUA/Itália)

Camnitzer é o artista com mais obras expostas nesta exposição - um total de quarenta e nove trabalhos - e que possui na Casa Daros uma coleção de grande importância. Na obra Two Identical Objects, de 1981, o artista utiliza uma nota de dinheiro e um pedaço de jornal, que são postos de maneira semelhante, lado a lado. Camnitzer não deseja diferenciar os objetos, mas apontar para o que os aproxima: o fato de serem feitos do mesmo composto, o papel. Aqui o conceito de ilusão aparece com força, pois ao tratar o mesmo papel de formas diferentes criamos uma ilusão de um valer mais que o outro; ao investirmos poder ao dinheiro – no caso, o dólar, o símbolo do poder financeiro no ocidente – somos iludidos com essa sensação de poder que, contudo, a qualquer momento pode esvair-se.

Em outro trabalho, intitulado Compass, de 2003, Camnitzer também tece uma crítica sobre a questão do ocidente. No trabalho é usada uma bússola como referência à localização, com seus pontos cardeais bem marcados. O que pauta nessa obra são dois desses pontos: o leste, east, e o oeste, west mas que no caso deste foi substituído pela palavra best, do inglês, melhor. Isso mostra a supervalorização do ocidente, com sua economia, sua cultura, etc., em detrimento dos países do oriente.

Leandro Erlich
(Argentina - Uruguai/Argentina)

Leandro Erlich é um artista conceitual argentino conhecido internacionalmente e famoso por suas obras ilusionistas e arquitetônicas, que na maioria das vezes são montadas em escala humanas. Utilizando espelhos, ilusão de ótica, inversões e reflexões, que convidam os expectadores a participar não somente no visual, mas ir além para aprofundar e confrontar com o estranhamento da obra e experimentar os dons da ilusão do artista.

Em Cambiadores, Erlich utiliza ferramentas cotidianas que nos causam ilusões. Através de um jogo de luzes entre paredes, molduras douradas, espelhos, banquetas e cortinas, o artista que é conhecido como "arquiteto do incerto", criou um labirinto de espelhos bastante singular. Na instalação foram projetados diversos provadores/trocadores interligados, mas somente alguns possuem espelhos, que ao entrar causa uma confusão ou desespero, na ânsia de esticar as mãos para saber se é espelho ou é uma passagem para outro provador.

É uma sensação incrível que causa um confronto com as infinitas projeções de si, reflexos e perspectivas. É um trabalho que envolve e que necessita a participação do espectador, que faz uma crítica à realidade, fazendo-nos questionar sobre o cotidiano, sobre questões de identidade, autoconhecimento e da própria existência. E que a realidade na verdade é inventada. É tão fictícia como a arte, e é construída através das vivências e perspectivas pessoais.

Teresa Serrano 
(México - EUA)

Um dos trabalhos da artista é o curta Boca de Tabla, que nos convida a refletir sobre a percepção que temos de tempo e como esta é incrustada de ilusões que criamos sobre proximidades e distâncias, que, na mente, são reorganizadas de outras formas. No vídeo, uma mulher espera por alguém e, para tornar a espera "menor", põe a mesa, anda pela casa, toma um chá, muda de sapatos, se olha diversas vezes no espelho, caminha pela casa etc. O "tempo de relógio" que aquela mulher esperou durante o vídeo é bem menor que o tempo do vídeo, que tenta expressar, na medida do possível, como esse é sentido pela mulher.

Há uma grande mistura de sons e sensações do passado, que continuam mesmo após a cena terminar - indicando o quanto as ações passadas podem estar acontecendo no tempo presente, o quanto, na nossa mente, o tempo pode ser um bloco e como nossas percepções "reais" estão permeadas de "ilusões" -, como o barulho do salto e da chaleira, que parecem ser a dolorosa companhia da personagem, e a fumaça do cigarro (plano que é repetido algumas vezes, expressando a dimensão daquela sensação para a personagem, que vivencia a mesma ação várias vezes, mesmo sem esta ser igual). Por fim, a espera parece acabar, já que sua sombra na sala de espera, antes expandida a infinitos momentos de um passado recente - que nos leva a crer a imensa duração daquele momento para a personagem -, se torna uma apenas: o presente puro.

Fernando Pareja & Leidy Chavez
(Colômbia - Colômbia)

O som de gritos e de algo girando rapidamente é a primeira coisa que se distingue quando o visitante adentra na escuridão da instalação criada pela dupla colombiana Fernando Pareja & Leidy Chavez. Na extremidade da sala, iluminado por luz estroboscópica, há um mecanismo circular e animado que mostra pequenos bonecos de cera saindo correndo de uma superfície arqueada e se jogando em direção ao vazio. Correndo, gritando, caindo. Repetidamente e sem pausas, sem fim.

A princípio, parece apenas uma projeção tridimensional, como um brinquedo óptico, mas com o tempo, o observador, mesmo que quase num estado de hipnose, perceberá que está sendo enganado, que a ilusão está presente. Olhares em diferentes ângulos revelarão pequenos detalhes que mostram uma das características mais marcantes da dupla de artistas: dar vida a figuras imóveis e colocá-las em movimento, mesmo que para isso eles precisem usar algumas técnicas de ilusão. Mas a maior mágica por trás da obra não é tentar decifrar como o mecanismo intenso e curioso funciona. É entender a emoção e o protesto que ele quer passar.

Com uma pequena pesquisa, é possível descobrir que a cena que se repete é um reflexo da situação na província de Cauca, berço de Fernando e Leidy, e que enfrenta um conflito armado interminável entre o exército, as guerrilhas e os grupos paramilitares. Ainda assim, a obra pode ser universal, com tantos outros territórios que enfrentam ou já enfrentaram a mesma ou pior situação de guerra e caos.  É um ciclo que representa um estado de violência do qual o ser humano ainda não conseguiu se libertar. Correndo, gritando, caindo. Só para começar tudo de novo.

Com isso, ao deixar a escuridão da instalação para trás - abalado, assombrado, maravilhado, num estado de forte conflito emocional, mas acima de tudo simpatizando com aquelas pequenas figurinhas que se jogavam no vazio sem uma razão aparente -, é impossível não se questionar se a paz e a liberdade não seriam também apenas ilusões.

Membros do grupo: Gabriela Silva, Isabelle Cardin, Rafaela Silveira e Ticiane Faria - Escola de Comunicação da Universidade Federal do Rio de Janeiro

Nenhum comentário:

Postar um comentário