A Academia de Marcos Chaves



Há quatro significados para a palavra academia no dicionário Houaiss, mas, por conta do peso cultural que o fetiche do corpo exerce em nós, cariocas, o significado de academia como o local para a prática de exercícios físicos parece ter se sobreposto aos demais. O artista não-acadêmico Marcos Chaves, com seus passeios em cima de uma bicicleta pelo Rio - que segundo o mesmo é "a cidade da imagem"-, percebeu muito bem a influência que o culto ao corpo exerce sob as pessoas e resolveu brincar com os diferentes sentidos de uma mesma palavra e trazer isso para o campo das artes.

É logo no letreiro amarelo-neon, pendurado do lado de fora da galeria Nara Roesler em Ipanema, que a exposição começa a dialogar com seus visitantes. "É claro que todo mundo passa perguntando se tem pilates, e era isso que eu queria", diz Marcos sobre a reação de muitos pedestres ao se confrontarem com o letreiro. O próprio nome Academia já sugere uma brincadeira de sentido e também uma crítica, pois as academias e escolas mais valorizadas pelos cariocas são as de ginástica e de samba, respectivamente.  

Com isso em mente, Marcos divide sua exposição em duas partes. Na primeira, há uma reprodução de uma daquelas pequenas academias ao ar livre, estilo Flintstones, que são compostas por uma aparelhagem mais simples e rústica, mas que, em contrapartida, contam com o cenário paradisíaco das belas paisagens do Rio para deixar a atividade física com um toque mais relaxante e prazeroso. Essa academia recriada por Marcos, porém, perde o verde. É contextualizada dentro de um ambiente fechado, com um espelho que cobre uma parede inteira, sem cor e sem vitalidade, característico das grandes e hi-techs academias que vemos dentro de shoppings ou perto de aglomerações urbanas. Nela, confronta-se o sentimento mais marcante durante a exposição: o de ausência. O espelho enorme, além de passar a ideia do fetiche, também aumenta a ausência, já que, ao expandir o espaço, sugere que, mesmo lotadas as academias cariocas, parece existir um vazio que vem do fato dos usuários, visando apenas à "melhora" do corpo, transformarem o exercício em algo quase mecânico, não estando lá de verdade. 

A ambientação fechada se contrapõe à simplicidade dos aparelhos. Com a sua academia firmada numa antítese, Marcos Chaves constrói a crítica ao valor exacerbado dado mais ao corpo do que à saúde.




No segundo andar, o artista agora mostra o seu talento para a fotografia. O projeto fotográfico chamado Sugar Loafer chama atenção à primeira vista pelo elemento em comum a todas as fotografias: a pedra do Pão de Açúcar. Em seus passeios pela orla desse ponto turístico, Marcos captou os traços deixados na paisagem pelas pessoas que passaram por ali. Não há realmente nenhum ser humano como foco principal nas fotografias, mas ainda assim a presença deles é incontestável, seja pelo chuveirinho ligado, seja pelas duas cadeiras dispostas de maneira não convencional. Marcos Chaves explica: "Eu não fotografo gente, eu fotografo o que as pessoas fazem"

Em uma interpretação mais subjetiva, a falta de pessoas parece enfatizar a objetificação do Pão de Açúcar e da cidade do Rio, que, de maneira geral, força muitos de seus moradores a serem ausentes. A cidade, os pontos turísticos e os corpos tornaram-se mero produto, para gringo ver. Tendo isso em conta, é curioso notar como a repetição de várias imagens do Pão de Açúcar remete à produção em massa do Fordismo e, em outras, os postes e grades que "cortam" o ponto turístico parecem criar a ideia de um Pão de Açúcar dividido, pronto para ser vendido em pedaços; você pode comprar um deles na agência de viagens  que teve a entrada fotografada por Marcos.

Toque a mais: Progressão e alinhamento criativo na disposição das fotografias.


Ainda assim, há quem olhe rapidamente para o conjunto de fotografias sem perceber suas sutilezas e comece a se questionar se aquilo é arte. Com certeza é arte, e não é apenas porque o expositor é um artista e foi ele quem criou, mas porque ele foi capaz de enxergar além do que se vê. Teve a visão treinada para perceber os detalhes e as marcas do cotidiano - que na maioria das vezes passam despercebidas e até ignoradas -, e transformar tudo em arte, sem deixar de transmitir aos visitantes o viés crítico que adotou na sua exposição.  

"A arte é o exercício da liberdade."
(Marcos Chaves)

Membros do grupo: Gabriela Silva, Isabelle Cardin, Rafaela Silveira e Ticiane Faria - Escola de Comunicação da Universidade Federal do Rio de Janeiro.

Nenhum comentário:

Postar um comentário